Poucas províncias do Japão resumem tão bem a essência do país numa única região.
Localizada na região central de Honshu, a principal ilha do arquipélago japonês, a Província de Mie tem sua costa leste voltada para o Oceano Pacífico. Características geográficas diferentes condensadas numa área relativamente estreita do território japonês fazem com que Mie apresente paisagens belas e contrastantes, com praias irregulares, florestas, montanhas, vales cultiváveis e climas que variam de uma região a outra na mesma província. Turistas procuram a província devido à concentração de importantes parques como o Ise-Shima National Park, o segundo maior parque nacional do Japão que ocupa mais de 1/3 de toda a área da província e abrange as cidades de Ise, Toba e Shima, e o Suzuka Quasi-National Park.
Sob o ponto de vista histórico e cultural, Mie é uma das províncias mais ricas do Japão. Com tradições antiquíssimas que remontam às origens da história e do povo japonês, a região era chamada de Miketsukuni (País das Refeições Imperiais) pois era lá onde se produziam os alimentos para a Família Imperial. Na Idade Média a província passou a ser chamada de Umashiku-kuni (Terra de Delícias e Beleza) e ainda hoje Mie tem entre os japoneses a mesma fama que a Provence tem entre os franceses, em se tratando de excelência na produção de alimentos.
Essa característica dá às cidades de Mie um aspecto agradável, em que as comodidades modernas não se sobrepõem a estilos de vida tradicionais bucólicos.
Ecologia, espiritualidade, jóias e ninjas
Mie é uma província que concentra muitos onsens (spas) e ryokans (hotéis, pensões) tradicionais, a maioria deles nas cidades de Ise, Toba e Shima. Tais serviços evoluíram de uma atividade turística intensa que remonta há séculos, em função da peregrinação que os japoneses fazem ao Grande Templo Xintoísta de Ise.
Chamado em japonês de Ise Jingu, o Grande Templo Xintoísta de Ise é o mais importante da religião nativa do Japão, o xintoísmo, e é dedicado à Deusa do Sol, Amaterasu Omikami. Mais de 7 milhões de peregrinos visitam anualmente o Templo de Ise, que possui um festival curioso realizado há 1300 anos: a cada 20 anos o templo, que é de madeira, é destruído e um novo igualzinho é construído no mesmo local, seguindo milenares técnicas artesanais de construção. Mesmo que o templo esteja em perfeito estado de conservação ele é posto abaixo e reconstruído do zero.
Trata-se de uma celebração que representa a renovação da natureza e da fé, e a próxima reconstrução do templo, a 62ª, ocorrereu no segundo semestre de 2013.
As Rotas de Peregrinação a Ise são tão antigas e importantes para os japoneses quanto a de Santiago de Compostela na Espanha é para os cristãos no ocidente. A Rota de Kii foi usada pela Corte Imperial na Era Heian (794-1192) e a Rota de Ise tornou-se a mais usada a partir da Era Edo (1603-1867), mas existem as Kumano Kodo (3 Velhas Rotas de Kumano), mais antigas que as Rotas de Kii e de Ise, que ainda são usadas pelos peregrinos. Belas, passando por rios, florestas e montanhas, em 2004 as Rotas de Peregrinação a Ise foram declaradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.
Na costa próxima à cidade de Toba uma atividade exclusivamente feminina sobrevive há milênios. As Ama (mulher do mar) são mergulhadoras de profundidade sem uso de equipamentos especializadas na cata de ostras. Não se sabe ao certo quando tal atividade começou mas existem registros na literatura do século 7 que já descreviam a profissão das Ama. Embora trabalhosa e arriscada a cata de ostras e moluscos era antigamente uma atividade sagrada, que seguia regras de seleção sobre quais espécies, qual o tamanho mínimo e em quais épocas os moluscos podiam ser pegos, e por isso as Ama eram vistas como mulheres sagradas.
Na antiguidade, elas mergulhavam nuas e proibia-se aos homens tocar o mar enquanto elas lá estivessem. Mais tarde, elas passaram a usar finos quimonos de algodão branco indicando seu status sagrado.
Ao longo de milênios as Ama preservaram os recursos do mar e posteriormente ajudaram no desenvolvimento das pérolas cultivadas. Atualmente poucas delas ainda existem. Elas se permitiram algumas “modernidades” como o uso de snorkel, máscara e pés-de-pato para mergulhar, mas não usam oxigênio nem trajes de borracha – e ainda usam os tradicionais quimonos de mergulho brancos. Todo abalone seco usado nos rituais xintoístas e no Templo de Ise é pescado pelas Ama.
Um dos pontos turísticos mais concorridos de Mie é a costa de Toba onde além das Ama pode-se encontrar o Aquário de Toba e a Mikimoto Pearl Island. Além de conhecer a fauna marítima e ver shows no Aquário de Toba, pode-se visitar bem perto dalí as instalações da produção de pérolas cultivadas da famosa joalheria internacional Mikimoto (cujas peças são muito usadas por Angelina Jolie) e o Museu da Pérola. Em 1893 um pescador de Mie chamado Kokichi Mikimoto conseguiu, depois de décadas de tentativas, produzir com sucesso pérolas cultivadas em ostras, jóia que até então só era produzida por acaso na natureza. A joalheria da Mikimoto Pearl Island é muito procurada pelos visitantes interessados em adquirir jóias de alta qualidade a preços acessíveis.
Um parque temático em Mie une diversão, tradição, história, artes marciais e espionagem. O Iga Ninja Village (Igaryu Ninja Mura) celebra a arte do Ninjutsu na região onde a atividade nasceu, entre as montanhas de Mie, na cidade de Iga.
Verdadeiros Agentes 007 do Japão antigo, os ninjas eram antes de mais nada espiões talentosos cuja principal atividade era obter informações do inimigo.
Em função desse trabalho de inteligência eles desenvolviam a arte do disfarce e também técnicas de luta com armas e acessórios especiais.
Curiosamente, esses guerreiros acabaram desenvolvendo um estilo de vida próprio e tornaram-se intelectuais das artes da guerra e da espionagem, cuja imagem tornou-se bastante popular através de adaptações no teatro, cinema, TV e mangás. Visitar o Iga Ninja Village permite conhecer a realidade histórica dos ninjas e, quem sabe, desvendar se eles ainda existem nos dias de hoje.
Sabores de Mie
A província de Mie possui uma costa extensa e muito produtiva. Há décadas normas de controle de exploração dos recursos marítimos para a alimentação são observadas e a região é conhecida por seus pratos à base de frutos do mar.
São muito populares os grelhados de frutos do mar frescos, principalmente de moluscos, algas e lagostas.
ma tradicional especialidade da região são as ostras. Grandes, criadas em enorme quantidade, parte das ostras destinam-se à produção de pérolas e outra ao consumo.
Em Mie come-se ostras de todo jeito: cruas, ensopadas, grelhadas, recheadas… A criatividade é o limite!
Nas últimas décadas uma iguaria de Mie tem se destacado até no exterior: o Matsusaka Beef. Também conhecido como carne Wagyu (nome da espécie bovina) ou bife de Kobe (nome do porto que se destacou na exportação da carne japonesa), trata-se da carne mais apreciada por gourmets no mundo todo.
O Matsusaka Beef leva o nome da cidade no interior de Mie onde se originou sua produção e caracteriza-se por ser uma carne macia com gordura distribuída em traços finos que lhe dá uma aparência marmórea.
Vacas da espécie Wagyu são criadas com mimos diários, levadas para passear, tomar banho de sol, massageadas, alimentadas com soja e farelo de trigo de primeira qualidade e bebem cerveja para produzir essa carne especial. Restaurantes de Mie especializaram-se em preparar e servir o Matsusaka Beef dos modos mais diversos para agradar tanto o paladar japonês como o ocidental.
Isso fez com que ir a Mie para comer um churrasquinho se tornasse uma atividade bastante popular entre os japoneses.
Outra iguaria popular é o Ise Sobá, um grosso macarrão artesanal, coberto com um shoyu concentrado misturado com saquê culinário doce.