História da Imigração de Mie
Os Problemas Sociais e o Movimento Migratório
Na era Meiji, apesar da intensa industrialização, os agricultores que perderam terras no campo tinham dificuldades de encontrar emprego e acabavam formando uma massa de trabalhadores miseráveis nas cidades. O governo, então, colocou em prática uma política migratória para aliviar essa tensão social.
Inicialmente, tentou-se uma migração interna, para ocupar Hokkaido, que ainda tinha terras devolutas. Depois, para o exterior, começando pelos Estados Unidos, principalmente Havaí (que ainda um país independente), Peru e México, antes de voltar as atenções para o Brasil.
Na província de Mie também não foi diferente, ainda que de forma menos intensa. Em 1898, Yoshio Itagaki da cidade de Tsu liderou o grupo chamado Iwatagumi que migrou para Hokkaido. Nansei Kaitaku Goshi Kaisha também levou pessoas de Yamada para esta província.
Os primeiros 13 imigrantes da província de Mie para os Estados Unidos desembarcaram em Honolulu em 1895.
A Presença de um originário de Mie no Brasil antes de 1908
Em 1905, Zentaro Ohira, natural da província de Mie, chegou ao Brasil como estagiário do Departamento de Agricultura e Comércio Japonês. Enquanto, Ryu Mizuno preparava para trazer a primeira leva de imigrantes japoneses para o Brasil, que ocorreu em 1908, no navio Kasato Maru, em 1907, Zentaro abriu a Nippaku Shokai, uma loja de miudezas importadas do Japão, na Av. Rio Branco, na cidade do Rio de Janeiro. Porém, tempos mais tarde, acabou retornando para o Japão.
1912~1924 – os primeiros imigrantes de Mie para o Brasil
Em abril de 1912, no final da era Meiji, chegaram ao Porto de Santos dois navios trazendo imigrantes japoneses para o Brasil: o Kanagawa-Maru, que foi contratado pela Companhia Oriental de Emigração (Toyo Imin Goshi Kaisha), que partiu do Porto de Kobe no dia 10 de março e chegou ao Porto de Santos no dia 25 de abril, e o Itsukushima-Maru, que foi contratado pela Sociedade Colonizadora Takemura & Cia. (Takemura Shokumin Shokan), que partiu no dia 3 de março e chegou no dia 28 de abril.
A Companhia Oriental de Emigração trazia o seu primeiro grupo de imigrantes japoneses para o Brasil, depois da fracassada tentativa feita em 1897, pelo contrato firmado com a Prado Jordão & Cia, pois houve o cancelamento da remessa dos primeiros imigrantes no vapor Tosa-Maru pouco antes da partida por causa da crise de superprodução cafeeira e do desabamento de preços internacionais.
Já a Sociedade Colonizadora Takemura & Cia., do capitalista Yoemon Takemura, que havia assumido os negócios da Companhia Imperial de Emigração, de Ryu Mizuno, que havia trazido os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil no Kasato-Maru, mas que estava com falta de recursos financeiros para continuar com a empreitada, havia trazido a segunda leva de imigrantes no Ryojun-Maru em 1910.
A Companhia Oriental de Emigração trouxe no Kanagawa-Maru, 357 famílias, no total de 1412 imigrantes e a Sociedade Colonizadora Takemura & Cia. trouxe no Itsukushima-Maru, 367 famílias, no total de 1432 imigrantes.
Estavam a bordo do Kanagawa-Maru, que aportou em Santos três dias antes do Itsukushima-Maru, entre as 357 famílias de imigrantes, 6 famílias originárias da província de Mie, que tinham respectivamente como chefe: Asajiro Nakamura, Zenzaburo Okano, Zennosuke Okano, Kihei Nakamura, Sai Nakamura e Kusonusuke Okano, no total de 18 imigrantes.
Zenzaburo Okano (23 anos), que era natural de Nanto-cho, Watarai-gun, na provícia de Mie, veio com a esposa Moyo (25 anos) e uma filha adotiva Ysuke (13 anos), compondo a família, pois pelo contrato com a fazenda de café era preciso ter 3 pessoas por família para trabalhar na plantação. Zennosuke Okano (20 anos), irmão mais novo de Zenzaburo, veio com a esposa Yae (17 anos) e, a irmã mais nova dos irmãos Okano, Tsuru (17 anos), formando outra família. As duas famílias foram enviadas para Mogi Mirim na fazenda de Narciza Arruda da Silva, no interior paulista, por conta do contrato de 30 de outubro de 1911. Já Asajiro Nakamura (22 anos), irmão de Yae Okano, veio com a esposa Shizu (21 anos) e o irmão mais novo Jutaro (13 anos), e a família Nakamura foi enviada para a fazenda de Rodrigues Alves, em São Manoel, por conta do contrato de 30 de outubro de1911. (Estas três famílias foram localizadas e contatadas para o livro de 2012).
Segundo os dados da Hospedaria dos Imigrantes, sobre outros imigrantes de Mie que vieram no Kanagawa-Maru em 1912, constam os nomes de Kihei Nakamura (18 anos), que veio com a esposa Hina (17 anos) e a filha adotiva Naka (13 anos), e foi enviado para Tambaú; Sai Nakamura (22 anos), que veio com Yoshimatsu (20 anos) e o filho adotivo Tokumatsu (12 anos), e foi enviado para São Manuel; Kusunosuke Okano (28 anos), que veio com a esposa Haru (25 anos) e a filha adotiva Ito (13 anos), e foi enviados para Tambaú.
E a bordo do Itsukushima-Maru, entre 367 famílias estavam 3 famílias da província de Mie: a de Kuroji Yuge, Takematsu Maehata e Saikichi Itabuchi.
No final da era Meiji, por incentivo de Kiyokazu Aoki, de Nagoya, que trabalhava para Companhia Toyo de Imigração, Kuroji Yuge, de Suzuka-shi, resolveu imigrar para o Brasil com a família, mas como ainda não havia escritório de imigração na província, teve que vir via escritório da Companhia de Imigração Takemura, da província de Gifu.
As três famílias da província de Mie e duas famílias da província de Kanagawa foram encaminhadas para Botucatu, no interior paulista. Como ainda estava na fase inicial da imigração japonesa e sem tradutor para ajudar, a situação das famílias era muito difícil.
Em 1913, Masakichi Kitamura, de Taki-gun, chegou ao Brasil como estagiário da Companhia Toyo de Imigração e foi trabalhar como tradutor/intérprete em Botucatu e Guatapará, ajudando a formar a base da colônia de Guatapará (Kitamura retornou ao Japão por causa da guerra, mas veio de novo para o Brasil em 1953 para fomentar a ligação entre a província de Mie e o Brasil, dedicando-se na fundação de Mieken Kaigai Kyokai Hakkoku Shibu).
Ainda em 1913, chegaram a família Yada, cujos pais retornaram ao Japão 4 anos mais tarde deixando os filhos no Brasil, e Kazuichi Kawamura, este último era parente dos Yuge e veio incentivado por Kuroji, todos de Suzuka.
Em 1915, Yuge construiu a colônia de Doradoi em Bernardino de Campo com cerca de 30 famílias das províncias de Mie e de Fukuoka. Mas, em 1918, a colônia foi arrasada pela forte geada que acabou com os pés de café e pela nuvem de gafanhotos que atacou as plantações de arroz e de algodão. Yuge, não se intimidando com isso, ainda ajudou a construir outra colônia levando 20 famílias para Álvares Machado.
O fluxo de imigrantes da província de Mie até 1924 era bastante reduzido. A maioria dos imigrantes ficava de 1 a 2 anos nas fazendas de café encaminhadas e depois procurava outros locais para estabelecer, não raro passando por várias localidades do interior paulista. Na época em que foi feita a coleta de depoimentos do livro publicado em 1977, algumas famílias que vieram neste período ainda permaneciam no interior de São Paulo, mas muitas já estavam morando em São Paulo e Grande São Paulo.
A composição dessas famílias de imigrantes muitas vezes não se restringia aos filhos, mas era acrescida de irmãos, cunhados e primos, para cumprir a exigência do contrato com a fazenda de café de 3 pessoas por família como mão-de-obra. Na época, em muitas regiões do interior paulista havia apenas povoados e muita terra com mata virgem a ser desbravada. Nestas regiões, havia surto de doença como a malária que vitimou muitos imigrantes, deixando famílias sem chefes e pais sem filhos, causando muito sofrimento aos imigrantes.
A Fundação da Mie Ken Kaigai Kyokai (Associação Ultramarina da Província de Mie)
Com a crise econômica a pós a Primeira Grande Guerra e do Grande Terremoto da região de Tóquio (1923), o problema do desemprego agravou e como uma das formas de solucionar, em 1924, foi fundada Mie Ken Kaigai Kyokai para incentivar a emigração para o exterior. Mas, nessa época, a entrada de novos imigrantes japoneses nos Estados Unidos foi proibida, após uma escalada de restrições em relação aos japoneses, interrompendo o fluxo migratório para esse país. Assim, o Brasil tornou-se principal país de destino dos imigrantes japoneses.
A Fundação da Mie Ken Kaigai Iju Kumiai (Cooperativa de Emigração Ultramarina da Província de Mie)
Em meio a crise do início da era Showa, em 1927, o governo japonês promulgou uma lei que permitia a organização de cooperativas de emigração ultramarina, para incentivar imigração de produtores agrícolas autônomos, adquirindo terras para colonização. Baseadas nesta lei, no mesmo ano, foram fundadas cooperativas em 4 províncias: Mie, Okayama, Hiroshima e Yamaguchi, e formaram a Associação das Cooperativas de Emigração Ultramarina. No ano seguinte, mais províncias fundaram suas cooperativas que se integraram à associação. Essa associação adquiriu as terras que deram origem às colônias de Bastos, Tietê, Aliança e Três Barras, que foram administradas pela BRATAC (Sociedade Colonizadora do Brasil Limitada).
1925~1940 – Os imigrantes de Mie chegando em maior número
A partir de 1925, começaram a chegar maior número de imigrantes de Mie e a maioria continuou a vir como imigrante contratado e ser encaminhado para as fazendas de café e fazer o caminho semelhante aos imigrantes da primeira fase.
Em 1927, chega uma família de Mie à Segunda Colônia de Aliança, fundada pela Sociedade Ultramarina de Shinano.
Em 1928, 11 famílias de Mie, da primeira leva de imigrantes autônomos de Tohaku Mieken Kaigai Iju Kumiai (Cooperativa de Imigração Ultramarina de Mieken para o Brasil) chegaram ao Brasil com o plano inicial de se instalar na recém-criada Colônia de Bastos, mas não puderam fazer, pois os preparativos para recepção de imigrantes estavam atrasados e o grupo foi encaminhado para outros locais, sendo que uma parte do grupo foi para Lins/SP. Os imigrantes só puderam se estabelecer em Bastos a partir de 1929.
Em 1930, começam a chegar imigrantes de Mie na Colônia de Tietê, sendo que na década de 30 foi a colônia que recebeu mais imigrantes da província.
Os imigrantes que se instalaram diretamente nestas colônias já vinham com terras adquiridas e as primeiras culturas após o desbravamento da mata começam a diversificar, para cultivo de arroz e algodão. Nota-se também que esses imigrantes tiveram de modo geral menos mobilidade, ficando mais tempo na cidade a que a colônia pertencia. Mas, algumas famílias de imigrantes que foram inicialmente para fazendas de café também mudaram depois para as colônias de Bastos e Tietê.
Na, época em que foi feita a coleta de depoimentos do livro de 1977, as famílias que vieram neste período estavam mais espalhados pelo Brasil em estados como Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, e Minas Gerais, apesar da preferência pela cidade de São Paulo, Grande São Paulo e interior de São Paulo, do que os que vieram no período anterior. E as atividades exercidas também estavam se diversificando, apesar de haver famílias ainda dedicando à agricultura, principalmente de hortaliças, as atividades mais urbanas como de comércio estavam aumentando. E na geração de descendentes já havia muitas pessoas com formação universitária trabalhando em diversos setores e inclusive atuando na política, sendo eleitos vereadores em cidades como Pereira Barreto e prefeito em Bastos.
1941~1950 – Os imigrantes de Mie durante a guerra
Em 1941, a recepção de imigrantes japoneses pelo Brasil foi interrompida e os imigrantes que haviam retornado temporariamente ao Japão nessa época ficaram impedidos de voltar para o Brasil.
Houve caso de um chefe de família de imigrante de Mie que estava visitando o Japão justamente nesta época e ficou impedido de voltar para junto da família ,que havia deixado no Brasil, por 9 anos. Ou de pais e irmãos que tinha ido para o Japão e foram envolvidos na guerra, perdendo a vida. Houve também caso de filho de imigrante que estava estudando no Japão na época da guerra e que foi convocado para lutar e morreu na costa das Filipinas.
Os imigrantes japoneses, que permaneceram no Brasil, também sofreram algumas restrições durante a guerra. Houve casos de imigrantes de Mie que tiveram que mudar de emprego em São Paulo, ou de atividade, como de um fotógrafo de Presidente Prudente que voltou a ser agricultor, por causa da guerra.
1951~1970 – Os imigrantes de Mie após a guerra
Com o término da guerra e a normalização de relação entre o Brasil e o Japão, o processo de imigração foi retomado, ao que algumas famílias já estavam à espera, pois havia parentes emigrados que estavam convidando para fazer o mesmo. Alguns imigrantes de Mie que já estavam bem instalados no Brasil, como Choji Ishibashi, ajudaram a imigração de conterrâneos, intermediando a vinda, fazendo o “yobi yose”(convite para vir).
No Japão de pós guerra, havia famílias que tinham passado um tempo no continente asiático e, que ao retornar para sua terra natal, não conseguiram se readaptar e procuraram novas terras para viver.
Havia um projeto de imigração de japoneses para a colonização da Amazônia e várias famílias também de Mie foram encaminhadas para a região, principalmente para Tomé Açu/PA.
Havia também um programa de imigração de individual da Cooperativa Agrícola de Cotia que trouxe muitos jovens japoneses que ficaram conhecidos como “Cotia Seinen”. Muitos jovens de Mie, que não tinham perspectiva de atuação e sucesso em sua terra natal, procuraram emigrar utilizando esse programa. Esses jovens passavam por um treinamento físico e psicológico no Mie Ken Noson Seinen Kensetsu Seinentai (Grupo de Jovem Construção de Vilas Agrícolas da Província de Mie) de 1 ano antes de vir para o Brasil. A maioria desses jovens foi encaminhada para trabalhar em fazendas próximas a São Paulo. Depois de se estabelecerem, como imigraram sozinhos, quando não conseguiam casar, preferencialmente com jovens nikkeis do Brasil, mandavam chamar noivas do Japão.
No final da década de 50 para início da década de 60, alguns imigrantes de Mie se mudaram para Taguatinga, cidade satélite de Brasília que estava em construção, antevendo o desenvolvimento da região.
Entre os imigrantes do pós-guerra, há alguns que vieram como técnico de empresas japonesas instaladas no Brasil e que acabaram ficando no país.
Os Imigrantes da Província de Mie
Segundo dados publicados em 1936 na “Situação das Colônias (em cada uma das Colônias de Bastos, Tietê, Aliança e Três Barras)”, pela Associação das Cooperativas de Emigração, havia 197 pessoas da província de Mie em Tietê, 132 em Bastos, 27 em Aliança e 17 em Três Barras, totalizando 373 pessoas nas colônias e representando 3,02% da população total dessas colônias.
Segundo o levantamento feito pela Associação Ultramarina da Província de Mie em 1936, 1.461 pessoas da província de Mie haviam emigrado para o Brasil, sendo o país de maior destino, seguido por Estados Unidos (1.033 pessoas) e Manchúria (711 pessoas). E os imigrantes vieram principalmente de: Mie-gun, Minami Muro-gun, Kawage-gun e Shima-gun.
Assim, apenas 25% dos imigrantes da província de Mie estavam nas quatro colônias nesta época. E como até 1936 haviam chegado 172.236 imigrantes japoneses no Brasil, os imigrantes da província de Mie representavam apenas 0,85%, mostrando que o movimento migratório na província de Mie não era muito ativo.
O fluxo imigratório de japoneses para o Brasil foi interrompido em 1941 por causa da Segunda Guerra Mundial e só foi retomado em 1952. Até 1975, emigraram 51.549 japoneses, dos quais 474 eram da província de Mie, representando 0,92% do total.
Depois de 1975, com a melhoria da condição econômica do Japão, os emigrantes se tornaram cada vez mais raros, salvo caso de funcionários de empresas que se instalaram no exterior e de pessoas que optaram por deixar o País individualmente. De qualquer forma, esses casos não constituem números significativos.
Bibliografia: Mie Ken Kaigai Kyoukai (Ed.) Mie Kenjin Nanbei Hatten Shi. Mie Ken Kaigai Kyoukai. Tsu,1979. Tradução: Sumire Misawa – São Paulo
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